17.8.06

O sexo dos anjos

Uma praça redonda com um carvalho gigante como o cajueiro de Natal foi a melhor parte da recepção no mergulho pelo centro da cidade. O Porto estava definitivamente em obras. A metáfora óbvia de quem precisa consertar muitas coisas na própria vida.

Cenas clichês de quem acabava de chegar a um lugar eram bem-vindas. Não deixou de abrir o vidro para sentir o vento e o aroma locais, de sorrir para crianças e velhos vendedores de sardinhas nas calçadas. O novo é sempre bom e a bossa ali era completamente nova.

Já estava rindo da aterrissagem atribulada, meio cambaleante, na estação de trem até descobrir que o hotel em que estava hospedada tinha duas sedes, uma ao lado da outra, uma para pais de família ficarem com suas famílias e outra para pais de família desestressarem de suas famílias.

O sábio taxista a deixou no hotel da segunda categoria. A deliciosa lógica lusitana entrava em ação. Ela era brasileira, viajava sozinha, logo deveria trabalhar como desestressadora de pais de família.

Estava parada ali, em frente ao hotel, que apesar do nome e do endereço corretos, não era o mesmo da foto da Internet. Arrastou a vermelhona escada acima, foi acompanhada milimetricamente pelos portugueses do local e, em apenas 15 minutos, descobriu que não tinha reserva alguma em seu nome.

“Fui enganada, fui enganada, fui enganada”, não conseguia parar de repetir o mantra da confusão que estava se anunciando. Quando, aparentemente sempre eles, um educado porteiro se dirigiu ao balcão e disse num português razoavelmente compreensível: “Acredito que sua reserva fora feita no hotel ao lado, não me parece que ESTE é hotel para a senhora”. Santo homem de terno cor de vinho.

Muito gentilmente, o sutil salvador número 2 pegou a vermelhona, desceu a escada, carregou-a pela rua até a esquina e entrou no hotel certo. Desculpou-se exageradamente. Parecia se perdoar por todos erros de seu povo, da escravidão dos negros até aquele maldito momento. Deixou um sorriso no ar com algumas outras intenções. O recado honesto de que ela saberia onde encontrá-lo caso precisasse desestressar. Qual era o sexo dos anjos mesmo?

Um comentário:

Anônimo disse...

Textos adoráveis! Quero mais, conte tudo :) beijossss