22.8.06

Branca, pura e talvez virgem

Lembrava exatamente a explicação do tio, muitos anos antes, sobre o que era -com todo o preconceito possível embutido na definição- uma casa de português. Entre uma pisada e outra na areia escura, típica do litoral paulistano, identificava os horrores arquitetônicos apontados sem pudor pelo tio em frente ao sobrado de um de seus amigos da praia. Todo feriado, a casa parecia estar maior. E o tio, do alto da sua altura de adulto, apontava e gesticulava freneticamente diante das reformas do mesmo jeito que os guias de museus interpretam grandes obras. Ela dedicava toda a sua atenção àqueles momentos, como se estivesse diante de um grande sábio que desnudava aquela construção, por que não dizer, insólita.

Foi assim que a ampulheta girou 180% e ela se viu olhando as mesmas construções, só que agora em dezenas grudadas umas nas outras, nas ladeiras de condições favelares do Porto Alto. Aquele desastre monumental de azulejos estampados, lajes empilhadas, esprimidas e sufocantes compunham um mosaico interessante. Era horrível e belo.

Ao final da ladeira, escondeu o relógio. Perto dela conversava animadamente um grupo de jovens que carregava características similares ao pessoal que negociava a branca, pura e algumas vezes nem tão virgem cocaína colombiana nas periferias. O professor do curso de história nem percebeu as reações brasileiras. Afinal assalto não era o objetivo local. Eles não eram tão profissionais como os nossos.

Acima da ladeira, estava a belíssima Catedral do Porto, onde outra branca, pura e talvez virgem noiva chegava para se casar. A oportunidade era única. Ser penetra num casamento português era melhor que qualquer curso de história. Ali a história era viva. Separou-se do grupo, correu ladeira acima e entrou, misturada aos chapéus das convidadas, na Catedral.

O casamento pode ser uma cerimônia linda, inesquecível, e aquele não deixava nada a desejar. Os noivos eram lindos e pareciam ter ensaiado muito bem para aquele momento. Os convidados sentavam e levantavam harmoniosamente acompanhados pela pequena orquestra. Libretos encadernados em veludo azul-marinho foram deixados nos bancos para melhor acompanhamento da missa.

Ao final, durante a saída dos noivos, uma simpática mostra de devoção. A noiva deixa o lado do noivo e dirige-se ao altar para entregar seu buquê à virgem, já que a idéia agora é que em instantes ela se torne uma não-virgem oficial. Eles finalmente saem. O altar de prata mexicana, a barroca imagem de São Francisco com ouro brasileiro, a rosácea de mármore branco e granito verde e vermelho do italiano Nicolau Nasoni ficam para trás.

Cinderela lusitana deixava o sonho de noiva para encarar a dura realidade do casamento. Ao passar pela porta da Catedral, o noivo soltou seu braço, correu em direção a sua mãe, chorou emocionado e partiu para a festa com sua família, deixando a noiva para trás, sozinha, estática, imaginando o que viria depois.

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